quinta-feira, 30 de julho de 2009

O AMOR DESTA TARDE

Poema de Pe Paulo Suess que se encontra no livro Do grito a canção - poemas de resistência. Edições Paulinas, 1983.



O AMOR DESTA TARDE

Ainda que eu falasse
a língua dos Apurinâ e Zoró,
de Mao, Che e Luther King,
de todas as tribos vivas
e até dos povos extintos
da terra e da memória –
se eu não tivesse o amor,
seria um trombone de lata fria,
um computador plurilíngüe
num país estrangeiro.

Mesmo se eu profetizasse
as catástrofes do amanhã,
com uma prevenção matemática do eclipse,
e explicasse os segredos mortíferos
da usina nuclear ao vigia noturno
de Angra dos Reis
e se eu tivesse toda a fé
para andar sobre as águas poluídas
sem contaminar o meu pé –
se não tivesse o amor,
seria apenas um instrutor sabido,
um Pilatos vidente,
um útil inocente descomprometido.

Ainda que distribuísse
todos os meus sapatos e almoços
em socorro de favelados descalços
e do povo faminto
e se entregasse meu corpo
aos anófeles da Amazônia,
meus sonhos aos tormentos da Cobra Grande
e meu espírito à burocracia de Brasília –
se não tivesse o amor,
seria apenas mais uma cobaia revolucionária,
um caçador de borboletas
ou um poeta sonhador.

O amor é paciente como o povo
treinados por promessas na Igreja
e nas filas do INPS.
o amor partilha os seus bens
e rejeita a competição.
o amor é manso, não se compara, não se explora
não domina, nem aceita a dominação.

O amor não se irrita na luta
e não cobra do inimigo o dente perdido.
mesmo sofrendo a injustiça dos tribunais,
denuncia a mentira dos grandes
e pede perdão pelos erros dos pequenos.
O amor acredita na força do povo.
e enquanto carrega o fardo dos fracos,
espera a vida abundante.
O amor é invencível.

Os profetas ficarão mudos,
os poliglotas gagos
e os sábios acabarão no esquecimento.
Porque a nossa sabedoria é pobre
e passageira é a nossa profecia.
Mas quando vier a luz
que transformou a noite,
será recuperado o brilho de nossos olhos.
Quando era criança
gritava como criança,
corria como criança,
brincava como criança,
Mas quando me tornei adulto
deixei de gritar como antes
e descobri uma alegria serena
como um rio que venceu as cachoeiras.

Agora vemos os acontecimentos em espelho
narcisisticamente confusos,
mas depois os veremos de verdade.
Agora não entendo as pessoas
por que meu amor é cego;
mas depois as conhecerei
como também eu sou conhecido.
Amarei como sou amado.

Agora permanecem
a fé, a esperança e o amor.
Acredito na presença de Deus-Pai
e no homem irmão.
Espero a nova ordem da partilha entre todos.
Num amor apaixonado
beijo os tumores cancerosos na pele,
no rosto, na boca do mundo.
Atrás das máscaras arrebentadas
pelos raios do meu sopro,
caras novas aparecem.
Entre a promessa acredita
e a partilha esperada
o mais importante
é o beijo desta tarde
que acorda um pobre.






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