segunda-feira, 27 de abril de 2009

Crise Econômica

Frente a crise econômica, se o Brasil não tivesse optado pelo crescimento econômico mais sustentável, o que seria dos milhões de brasileiros mais pobres. Envio o texto de Juarez Guimarães que nos ajuda a compreender a macropolítica econômica. Adélia

ECONOMIA: A nova economia política do governo Lula em 27/03/2009

Pela primeira vez na história brasileira, estão sendo criadas as condições para um ciclo sustentado de crescimento econômico com distribuição de renda. O aprofundamento da dimensão distributiva deste ciclo, que depende das lutas democráticas e populares, pode permitir a superação da pobreza crônica que assola a vida dos trabalhadores e dos pobres desde a origem do país.

por Juarez Guimarães*
Os grandes empresários da comunicação, que alimentam com ódio e preconceito diariamente a oposição ao governo Lula, já têm uma estratégia para este segundo mandato. Trata-se de três operações combinadas: esconder, turvar, baralhar a compreensão de que o país vive hoje potencialmente o ciclo econômico mais virtuoso da sua história; negar, esconder, dificultar o acesso à informação de que as políticas sociais de inclusão no segundo mandato do governo Lula tendem a alcançar uma extensão e qualidade sem paralelos históricos nas políticas públicas antes praticadas; dar um tratamento policial à cobertura política, procurando construir a imagem de que o Brasil nunca foi tão corrupto, em vez da verdadeira constatação de que o governo federal nunca combateu tanto a corrupção no país.
O reconhecimento de que o Brasil vive hoje potencialmente um ciclo econômico virtuoso inédito não pode ser reconhecido por quem faz oposição ao governo Lula. É vital que a informação e a consciência pública sobre esse novo ciclo possível permaneça obscura.
Para os que alimentam a estratégia de uma vitória do PSDB-DEM nas eleições presidenciais de 2010, isso seria um desastre fatal. Seria anular a campanha propagandística de que o governo Lula é inoperante, ineficaz e incompetente. Não seria mais possível afirmar, como se diz usualmente, que o crescimento econômico atual colhe os frutos da estabilização iniciada com os governos FHC. Tornaria sem credibilidade a acusação de que o PT, principal partido que sustenta a coalizão de governo, traiu os seus princípios fundadores, de compromisso com os que trabalham, nas cidades e nos campos, com os pobres, com os que mais sofrem exploração e discriminação.
Para os que criticam, de um ângulo sectário e esquerdista, o governo Lula, o reconhecimento de tal ciclo econômico colocaria em ponto morto o discurso de que ele continua, no fundamental, as políticas neoliberais de FHC. A própria identidade dessas correntes, hoje ainda muito minoritárias, ficaria comprometida.
No entanto, não é difícil provar com informações e análises que as opções tomadas pelo governo Lula estão sendo, em particular neste segundo mandato, crescentemente capazes de assegurar um novo ciclo econômico de crescimento sustentado com distribuição de renda. A formação dessa consciência pública é, pois, fundamental para delinear as perspectivas de quem luta pela continuidade e pelo aprofundamento do atual processo de transformações.
Contra-argumentos
O primeiro e mais surrado argumento que se levanta contra a hipótese de um novo ciclo econômico é o de que o crescimento recente da economia brasileira é mera extensão, em plano medíocre, do crescimento da economia mundial. O fundamento de um liberalismo radical, de crença nos poderes automáticos dos mercados, que sustenta esse argumento, deveria envergonhar os autores de esquerda que o utilizam. Pois as decisões do Estado nacional, no contexto das correlações de forças geopolíticas e econômicas, são fundamentais para definir a dinâmica do processo econômico.
Um exemplo: em 1995, primeiro ano do governo FHC, o superávit no balanço de pagamentos (comércio, serviços, rendas e transferências unilaterais) era de US$ 12,9 bilhões; em 1999, devido à desastrosa decisão da paridade real/dólar, havia um déficit de US$ 7,8 bilhões. Com a selvagem abertura comercial, uma política ativa de desregulamentação do mercado de trabalho e de diminuição do quadro do funcionalismo público, de 1990 a 2001 foram criados apenas 3,2 milhões de empregos. Em meio ano, somente no primeiro semestre de 2007, foram criados 1,095 milhão de empregos com carteira assinada. Mero automatismo de mercado ?
Seria mais correto afirmar que o crescimento da economia mundial tem sido uma condição necessária, mas não suficiente, para explicar o novo quadro da economia brasileira. As exportações nacionais têm crescido em patamar superior ao das exportações mundiais; houve uma importante ampliação, bem como diversificação dos parceiros econômicos, fruto, em grande medida, da nova política externa do governo Lula (por exemplo, as exportações para os EUA, que eram de 25,7% do total em 2002, hoje são apenas 17,7% do total). Mas, principalmente, é cada vez maior a responsabilidade dos aumentos da ocupação e da renda, em particular dos estratos mais pobres, e o crescente impacto dos gastos públicos do governo federal na manutenção do dinamismo da economia brasileira. Em ambos os casos, em decorrência de opções estratégicas de governo.
Além disso, uma coisa é afirmar, com razão, que a economia brasileira tinha o potencial de ter crescido muito mais nos últimos anos, se não fosse a política conservadora do Banco Central e, até parte de 2005, do próprio Ministério da Fazenda. Mas seria um erro grosseiro, de alcance histórico, banalizar o fato de que entre 2004 e 2006 a economia brasileira, pela primeira vez desde o final da década de 1970, cresceu em média 4,1% ao ano e que, neste ano, está acelerando o seu ritmo e tende a superar os 4,5%.
O segundo contra-argumento quanto à definição de um novo ciclo econômico é de que manter uma direção neoliberal no Banco Central é a prova maior da continuidade da política econômica do governo Lula em relação aos governos FHC. Sem olvidar que houve uma troca de diretores do Banco Central, saindo exatamente o núcleo mais monetarista, é preciso reconhecer analiticamente que a posição de poder do Banco Central em relação ao Ministério da Fazenda ficou bastante modificada com o controle inflacionário e a superação da vulnerabilidade externa da economia brasileira, que se consolidou a partir de 2005.
O principal instrumento de sustentação da financeirização da economia brasileira era, sem dúvida, a manutenção da taxa Selic em patamares escandalosamente mais elevados do que os juros praticados nas economias centrais. Isso definia um padrão de atração de capitais especulativos, de crescimento exponencial da dívida e de desestabilização das finanças públicas, de prática de altos juros na economia e de depressão da taxa de investimento. Durante os anos FHC, a média da taxa Selic foi de 26,59% ao ano; no primeiro governo Lula, ela foi reduzida a 18,50% em média, ficando, mesmo assim, em um patamar ainda muito elevado. O Plano de Aceleração de Crescimento prevê uma taxa Selic média nos próximos quatro anos de algo em torno de 10% (descontada a inflação prevista, de 8,1% reais em 2007, 6,9 % em 2008, 6,0% em 2009 e 5,6% em 2010).
A direção neoliberal do Banco Central continua prejudicando a dinâmica da economia brasileira. A demora na redução da taxa Selic tem atraído capital especulativo e contribuído, de forma significativa, para a valorização do real, com todas as suas conseqüências negativas sobre vários ramos industriais e agrícolas. Até agora, essa valorização excedente do real tem sido em parte compensada por forte aumento dos preços dos produtos de exportação. Mas o problema cambial, em uma conjuntura externa menos favorável, pode exercer um peso mais negativo ainda no crescimento potencial da economia.
Além disso, a completa ausência de regulação dos juros e tarifas cobrados pelos bancos comerciais, em um contexto de forte concentração de capital financeiro, tem permitido a cobrança de spreads inaceitáveis. Em particular, poderiam ser adotados mecanismos de controle de entrada e saída de capitais especulativos, como é feito em várias economias do mundo.
Mas hoje o impacto das políticas do Banco Central está severamente reduzido ao conjunto das políticas governamentais. Além disso, o enfoque desenvolvimentista do Ministério da Fazenda tem permitido decisões mais favoráveis a um novo ciclo no Conselho Monetário Nacional, como a forte redução da Taxa de Juros de Longo Prazo, praticada pelo BNDES. Um colunista neoliberal chegou a falar de uma “racionalidade heróica” do Banco Central mantida em meio a um mar crescente de irracionalidade !
O terceiro contra-argumento diz respeito à sustentabilidade do atual ciclo: ele seria profundamente dependente do dinamismo da economia mundial e esbarraria em gargalos-chave de infra-estrutura. A resposta a esse último argumento nos leva a identificar mais claramente os condicionantes fundamentais ou estratégicos do novo ciclo da economia brasileira.
Caracterização do novo ciclo
O economista Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES, argumenta que a verdadeira estabilidade da economia brasileira teria se confirmado a partir de 2005, com o crescimento das exportações, do saldo do balanço de pagamentos e a acumulação de reservas. Esse teria sido, segundo ele, exatamente o grande fracasso do Plano Real: o aprofundamento da vulnerabilidade externa, central desde o impasse do último ciclo do crescimento na década de 1970, sob o regime militar.
Desde a primeira grande crise cambial no início dos anos 1980, todo surto de crescimento da economia brasileira foi imediatamente interrompido pela vulnerabilidade externa, que foi bastante agravada nos anos neoliberais.
O governo Lula foi capaz de promover uma guinada histórica nesses fundamentos. Desde 2003, o balanço de pagamentos tem apresentado saldo crescente, chegando a US$ 30,6 bilhões em 2006. Mais decisiva é a acumulação de reservas internacionais: desde outubro de 2006, o governo Lula havia alcançado o recorde histórico de US$ 75 bilhões; ao final do primeiro semestre deste ano, ela já havia alcançado US$ 150 bilhões, com previsões de chegar a US$ 200 bilhões no final de 2007! Só para lembrar: ao final de 2002, as reservas líquidas (tirando o aporte do FMI) eram de US$ 16,3 bilhões.
A superação da vulnerabilidade externa tem esse primeiro grande significado: criar um espaço maior de autonomia do Estado nacional frente ao dinamismo do mercado mundial, em particular das pressões dominantes do capital financeiro. Ela permite internalizar os centros de decisão macroeconômica em uma medida importante e inédita nas últimas décadas. Frente a novos dinamismos da economia mundial, o Estado nacional tem agora margem de manobra conquistada para agir. Esse é o primeiro fundamento do novo ciclo.
O segundo é a nova e imensa capacidade de ação macroeconômica do Estado na economia brasileira. Com a queda drástica da taxa Selic, o pagamento dos juros da dívida pública tem um impacto qualitativamente menor no potencial de gastos do orçamento federal e das empresas estatais; com o crescimento acelerado dos empregos formais, a crise da Previdência brasileira pode ser administrada por um novo padrão de gestão.
Desdramatização
Hoje, cerca de 40% da dívida pública total, calculada em US$ 1,29 trilhão, é lastreada na taxa Selic: cada ponto a menos desta taxa equivale a uma economia anual de cerca de R$ 5 bilhões ! O PAC prevê que o pagamento de juros em relação ao PIB seja de 5,6% em 2007, 5,0% em 2008, 4,4% em 2009 e 3,4% em 2010. Durante os governos FHC, mais de 9 milhões de pessoas se aposentaram, mas o saldo líquido de empregos formais foi de apenas 796.967. Essa é a principal raiz da crise da Previdência: a erosão da base de contribuintes. Com o governo Lula, esse fundamento de raiz foi drasticamente melhorado, com a criação em média, nos primeiros quatro anos, de onze vezes mais empregos com carteira assinada. Tal dinâmica, como demonstra o primeiro semestre deste ano, que estabelece um novo recorde, deve ser ainda bem mais forte no segundo governo Lula.
De acordo com estudo da economista Ana Cláudia Além, assessora do BNDES, o Brasil pode chegar a um déficit nominal zero já em 2008 ! O déficit nominal zero mede todas as receitas, todas as despesas e mais o pagamento de juros. A dívida pública, que atingiu 52,4% em 2003, tenderia a ficar próxima de 30% do PIB em 2010!
Isso significa uma importante desdramatização do esforço fiscal, a geração de superávit primário, nos próximos anos. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo de 21 de maio, o superávit primário sobre a receita já deverá cair de 12,5% em 2004 para 7% em 2007, abrindo uma folga de R$ 30 bilhões no orçamento. E com o maior dinamismo da economia, os dados sobre a arrecadação da União estão seguramente subestimados: eles tendem a crescer de forma contínua nos próximos anos.
A nova disponibilidade orçamentária do governo federal deve ser somada à força das estatais (em particular a Petrobras), dos bancos públicos federais e de um dos maiores bancos de fomentos do mundo, o BNDES. Este tinha em 2003 cerca de R$ 28 bilhões para emprestar. Este ano, prevê-se um montante de empréstimos da ordem de R$ 60 bilhões (o volume de empréstimos cresceu 40% no primeiro semestre, indicando com segurança um novo ciclo de investimentos). A Petrobras aumentou seus efetivos de 34,5 mil para 49,9 mil trabalhadores de 2003 a 2007, e suas subsidiárias praticamente dobraram o número de empregados.
Enfim, essa é a segunda marca do novo ciclo: o Estado brasileiro recuperou, depois de décadas, parte de sua capacidade estratégica de investir maciçamente e expandir gastos sociais. O Plano de Aceleração do Crescimento é exatamente a expressão disso: prevê o investimento de R$ 503,9 bilhões, dos quais cerca de 85% vêm das estatais federais e demais entes federados.
A terceira característica decisiva desse novo ciclo econômico, realizado sob regime de democracia, é o seu potencial distributivo. Para isso convergem o aumento real do salário mínimo, o controle da inflação e, em particular, o do custo da cesta básica, que têm profundo impacto sobre as classes populares, o crescimento exponencial dos empregos e a conseqüente melhoria no padrão dos acordos salariais, as políticas distributivas de sentido universalista do Ministério do Desenvolvimento Social, as fortes políticas de inclusão do Ministério da Educação, o incentivo quadruplicado de crédito e assistência técnica à agricultura familiar, a expansão dos circuitos da economia solidária que hoje já abarcam 1,5 milhão de postos de trabalho, as políticas afirmativas voltadas para os negros e as mulheres. O fato de o PAC ter incorporado de forma decisiva investimentos em “infra-estrutura social”, com a previsão de investimentos de R$ 170 bilhões nos próximos anos, para saneamento, urbanização de favelas e construção de habitações, faz parte dessa dinâmica de direcionar o crescimento para o alargamento popular do mercado interno.
É evidente que este potencial distributivo do novo ciclo econômico depende, fundamentalmente, das lutas políticas e sociais dos trabalhadores e do povo brasileiro. E seria insensato pensar o contrário. Qual será a expansão do salário mínimo real e em que medida serão ampliadas as políticas sociais? Será realizada alguma reforma tributária de cunho redistributivo? Em que medida avançarão os direitos do trabalho? As reformas urbana e agrária ganharão centralidade? Nenhuma das respostas a essas perguntas pode ser formulada de antemão.
Mais que tudo, será fundamental o planejamento democrático desse novo ciclo, o que exige um esforço profundo de republicanização e democratização das estruturas de decisão e gestão do Estado brasileiro. A definição dos setores sociais prioritariamente beneficiários do crescimento, a adoção de lógicas econômicas intensamente distributivistas em oposição às dinâmicas concentradoras de mercado, a direção e a regulação desse novo ciclo em sua dimensão ecológica, o amadurecimento de sistemas nacionais de inovação em áreas estratégicas dependem desse planejamento democrático.
Mas é evidente que a distribuição de renda, já iniciada no primeiro governo, tem todo o potencial de ser aprofundada nos próximos anos em uma dinâmica política ofensiva de conjunto. Essa nova economia política seria, enfim, a base social de um período de instauração de uma dinâmica de revolução democrática no país. A maior conquista dessa revolução democrática seria exatamente, a médio prazo, tornar a pobreza crônica uma peça de museu na história do Brasil.
No interessante ensaio “Reformas, que reformas?”, publicado no dia 20 de julho no jornal Valor Econômico, o economista neoliberal Armando Castelar Pinheiro afirma: “O debate sobre as reformas está sumindo do noticiário. Uma busca na página do Valor retorna 477 menções à palavra ‘reformas’ no primeiro semestre de 2007, contra 1.607 quatro anos antes. Será porque o Brasil não precisa de reformas?” O desespero do economista está em identificar a perda de centralidade do paradigma neoliberal no jornal que foi exatamente concebido para ser uma das matrizes principais de sua permanente propaganda.
O reconhecimento desse novo ciclo econômico deveria honrar a memória, os sonhos, a obstinação e a presença da tradição nacional-desenvolvimentista do país. Chamado de “sociodesenvolvimentista”, pelo ministro Guido Mantega, este novo ciclo bem mereceria ter o nome de ciclo Celso Furtado-Maria da Conceição Tavares, como modo de traduzir a vitória desses dois grandes intelectuais brasileiros sobre os modos de pensamento neoliberal e em favor dos direitos inalienáveis do povo brasileiro.

*Juarez Guimarães é cientista político, professor na UFMG

domingo, 19 de abril de 2009

Alteridade

Vale a leitura!!!


Frei Betto*
Adital -

Brasil - O que é alteridade? É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e sociais, mais conflitos ocorrem. A nossa tendência é colonizar o outro, ou partir do princípio de que eu sei e ensino para ele. Ele não sabe. Eu sei melhor e sei mais do que ele. Toda a estrutura do ensino no Brasil, criticada pelo professor Paulo Freire, é fundada nessa concepção. O professor ensina e o aluno aprende. É evidente que nós sabemos algumas coisas e, aqueles que não foram à escola, sabem outras tantas, e graças a essa complementação vivemos em sociedade. Como disse um operário num curso de educação popular: "Sei que, como todo mundo, não sei muitas coisas". Numa sociedade como a brasileira em que o apartheid é tão arraigado, predomina a concepção de que aqueles que fazem serviço braçal não sabem. No entanto, nós que fomos formados como anjos barrocos da Bahia e de Minas, que só têm cabeça e não têm corpo, não sabemos o que fazer das mãos. Passamos anos na escola, saímos com Ph.D., porém não sabemos cozinhar, costurar, trocar uma tomada ou um interruptor, identificar o defeito do automóvel... e nos consideramos eruditos. E o que é pior, não temos equilíbrio emocional para lidar com as relações de alteridade. Daí por que, agora, substituíram o Q.I. para o Q.E., o Quociente Intelectual para o Quociente Emocional. Por quê? Porque as empresas estão constatando que há, entre seus altos funcionários, uns meninões infantilizados, que não conseguem lidar com o conflito, discutir com o colega de trabalho, receber uma advertência do chefe e, muito menos, fazer uma crítica ao chefe. Bem, nem precisamos falar de empresa. Basta conferir na relação entre casais. Haja reações infantis... Quem dera fosse levada à prática a idéia de, pelo menos a cada três meses, um setor da empresa fazer uma avaliação, dentro da metodologia de crítica e autocrítica. E que ninguém ficasse isento dessa avaliação. Como Jesus um dia fez, ao reunir um grupo dos doze e perguntou: "O que o povo pensa de mim?" E depois acrescentou: "E o que vocês pensam de mim?" Quem, na cultura ocidental, melhor enfatizou a radical dignidade de cada ser humano, inclusive a sacralidade, foi Jesus. O sujeito pode ser paralítico, cego, imbecil, inútil, pecador, mas ele é templo vivo de Deus, é imagem e semelhança de Deus. Isso é uma herança da tradição hebraica. Todo ser humano, dentro da perspectiva judaica ou cristã, é dotado de dignidade pelo simples fato de ser vivo. Não só o ser humano, todo o Universo. Paulo, na Epístola aos Romanos, assinala: "Toda a Criação geme em dores de parto por sua redenção". Dentro desse quadro, o desafio que se coloca para nós é como transformar essas cinco instituições pilares da sociedade em que vivemos: família, escola, Estado (o espaço do poder público, da administração pública), Igreja (os espaços religiosos) e trabalho. Como torná-los comunidades de resgate da cidadania e de exercício da alteridade democrática? O desafio é transformar essas instituições naquilo que elas deveriam ser sempre: comunidades. E comunidades de alteridade. Aqui entra a perspectiva da generosidade. Só existe generosidade na medida em que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim. Então sou capaz de entrar em relação com ele pela única via possível porque, se tirar essa via, caio no colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como sou -a via do amor, se quisermos usar uma expressão evangélica; a via do respeito, se quisermos usar uma expressão ética; a via do reconhecimento dos seus direitos, se quisermos usar uma expressão jurídica; a via do resgate do realce da sua dignidade como ser humano, se quisermos usar uma expressão moral. Ou seja, isso supõe a via mais curta da comunicação humana, que é o diálogo e a capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de vida e da sua interioridade. * Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto - autobiografia escolar" (Ática), entre outros livros.

Povos Indígenas

19 de Abril - Apesar dos avanços, continua a prevalecer o preconceito e o desconhecimento da riqueza no que se refere aos povos Indigenas no Brasil. Assim, neste dia em que comemora-se o Dia do Indio, vale a pena ler como os Povos Indigenas pensam e olham para nós.


Descobrindo os Brancos
Davi Kopenawa Yanomami
Depoimento recolhido e traduzido por Bruce Albert, na maloca Watoriki,
setembro/ 1998

Há muito tempo, meus avós, que habitavam Mõramabi araopi, uma casa situada muito longe, nas nascentes do rio Toototobi, iam às vezes visitar nas terras baixas outros Yanomami estabelecidos ao longo do rio Aracá (como o Toototobi, o Aracá é um afluente do rio Demini, ele próprio
tributário da margem esquerda do rio Negro).
Foi lá que encontraram os primeiros brancos. Esses estrangeiros coletavam
fibra de palmeira piaçaba ao longo do rio Aracá. Durante essas visitas
nossos mais velhos obtiveram seus primeiros facões. Eles me contaram isso
muitas vezes quando eu era criança. Naquele tempo, eles só encontravam
brancos ao viajar muito longe de sua aldeia e não iam vê-los sem motivo,
simplesmente para visitá-los. Haviam visto suas ferramentas metálicas e as
cobiçavam, pois possuíam apenas pedaços de metal que Omama deixara
(os antigos Yanomami possuíam fragmentos de facões e de machados
muito gastos, que obtinham por um complexo circuito de trocas
interétnicas, mas cuja origem atribuíam a Omama, seu herói cultural). Era
durante essas longas viagens que, de vez em quando, eles conseguiam
obter um facão ou mesmo um machado. Trabalhavam então em suas
plantações emprestando-os uns aos outros. Quando um tinha aberto sua
plantação, passava-os a um outro e assim por diante. Eles emprestavam
também essas poucas ferramentas metálicas de uma aldeia a outra.
Não era para procurar fósforos que iam ver os brancos tão longe, não:
tinham seus paus de cacaueiro para fazer fogo. Evidentemente, eles
achavam as panelas de alumínio muito bonitas, mas tampouco era por isso
que faziam aquelas viagens: também tinham vasilhas de terracota para
cozinhar sua caça. Era realmente por seus facões e seus machados que iam
visitar aqueles estrangeiros.
Mas foi bem mais tarde, quando habitávamos Marakana, mais para o lado
da foz do rio Toototobi, que os brancos visitaram nossa casa pela primeira
vez. Na época, nossos mais velhos estavam ainda todos vivos e éramos
muito numerosos, eu me lembro. Eu era um menino, mas começava a
tomar consciência das coisas. Foi lá que comecei a crescer e descobri os
brancos. Eu nunca os vira, não sabia nada deles. Nem mesmo pensava que
eles existissem. Quando os avistei, chorei de medo. Os adultos já os haviam
encontrado algumas vezes, mas eu, nunca! Pensei que eram espíritos
canibais e que iam nos devorar. Eu os achava muito feios, esbranquiçados e
peludos. Eles eram tão diferentes que me aterrorizavam. Além disso, não
compreendia nenhuma de suas palavras emaranhadas. Parecia que eles
tinham uma língua de fantasmas. Eram pessoas da "Comissão" (uma equipe
da Comissão Brasileira Demarcadora dos Limites/ CBDL subiu o rio
Toototobi em 1958-9). Os mais velhos diziam que eles roubavam as
crianças, que já as haviam capturado e levado com eles quando tinham
subido o rio Mapulaú, no passado (Alusão a uma primeira visita da CBDL ao
rio Toototobi, em 1941). Era por isso também que eu tinha muito medo:
estava certo de que também iam me levar. Meus avós já haviam contado
muitas vezes essa história, eu os ouvira dizer: "Sim, esses brancos são
ladrões de crianças!", e tinha muito medo. Por que eles levaram aquelas
crianças? Eu me pergunto isso ainda hoje.
Quando aqueles estrangeiros entravam em nossa habitação, minha mãe me
escondia debaixo de um grande cesto de cipó, no fundo de nossa casa. Ela
me dizia então: "Não tenha medo! Não diga uma palavra!", e eu ficava
assim, tremendo sob meu cesto, sem dizer nada. Eu me lembro, no entanto
devia ser realmente muito pequeno, senão não teria cabido debaixo daquele
cesto! Minha mãe me escondia pois também temia que os brancos me
levassem com eles, como tinham roubado aquelas crianças, da primeira
vez. Era também para me acalmar, pois eu estava aterrorizado e só parava
de chorar quando estava escondido. Todos os bens dos brancos me
assustavam também: tinha medo de seus motores, de suas lâmpadas
elétricas, de seus sapatos, de seus óculos e de seus relógios. Tinha medo
da fumaça de seus cigarros, do cheiro de sua gasolina. Tudo me assustava,
porque nunca vira nada de semelhante e ainda era pequeno! Mas, quando
seus aviões nos sobrevoavam, eu não era o único a ficar assustado, os
adultos também tinham medo; alguns chegavam mesmo a romper em
soluços, e todo mundo fugia para a mata vizinha! Nós somos habitantes da
floresta, não conhecíamos os aviões e estávamos aterrorizados.
Pensávamos que eram seres sobrenaturais voadores que iam cair sobre nós
e queimar todos. Todos tínhamos muito medo de morrer! Eu me lembro que
também tinha medo das vozes que saíam dos rádios e da explosão dos fuzis
que matavam a caça. Perguntava-me o que todas aquelas coisas que
pareciam sobrenaturais poderiam ser! Perguntava-me também por que
aquelas pessoas tinham vindo até nossa casa.
Mais tarde, realmente comecei a crescer e a pensar direito, mas continuei a
me perguntar: "O que os brancos vêm fazer aqui? Por que abrem caminhos
em nossa floresta?". Os mais velhos me respondiam: "Eles vêm sem dúvida
visitar nossa terra para habitar aqui conosco mais tarde!". Mas eles não
compreendiam nada da língua dos brancos; foi por isso que os deixaram
penetrar em suas terras dessa maneira amistosa. Se tivessem
compreendido suas palavras, acho que os teriam expulsado. Aqueles
brancos os enganaram com seus presentes. Deram-lhes machados, facões,
facas, tecidos. Disseram-lhes, para adormecer sua desconfiança: "Nós, os
brancos, nunca os deixaremos desprovidos, lhes daremos muito de nossas
mercadorias e vocês se tomarão nossos amigos!". Mas, pouco depois,
nossos parentes morreram quase todos em uma epidemia, depois em uma
outra. Mais tarde, muitos outros Yanomami novamente morreram quando a
estrada entrou na floresta (A BR-210, Perimetral Norte, aberta em 1973-4 e
abandonada em 1976, depois de cortar duzentos quilômetros a sudeste do
território yanomami) e bem mais ainda quando os garimpeiros chegaram ali
com sua malária. Mas, dessa vez, eu tinha me tomado adulto e pensava
direito; sabia realmente o que os brancos queriam ao penetrar em nossa
terra.
Descobrir o Descobrimento
Os brancos são engenhosos, têm muitas máquinas e mercadorias, mas não
têm nenhuma sabedoria. Não pensam mais no que eram seus ancestrais
quando foram criados. Nos primeiros tempos, eles eram como nós, mas
esqueceram todas as suas antigas palavras. Mais tarde, atravessaram as
águas e vieram em nossa direção. Depois, repetem que descobriram esta
terra. Só compreendi isso quando comecei a compreender sua língua. Mas
nós, os habitantes da floresta, habitamos aqui há longuíssimo tempo, desde
que Omama nos criou. No começo das coisas, aqui só havia habitantes da
floresta, seres humanos (a autodesignação dos Yanomami -yanomae thëpësignifica
antes de tudo "seres humanos", e se aplica também aos outros
índios, opondo-se aos animais, aos seres sobrenaturais e aos não-índios/
napëpë). Os brancos clamam hoje: "Nós descobrimos a terra do Brasil!".
Isso não passa de uma mentira. Ela existe desde sempre e Omama nos
criou com ela. Nossos ancestrais a conheciam desde sempre. Ela não foi
descoberta pelos brancos! Muitos outros povos, como os Makuxi, os
Wapixana, os Waiwai, os Waimiri-Atroari, os Xavante, os Kayapó e os
Guarani ali viviam também. Mas, apesar disso, os brancos continuam a
mentir para si mesmos pensando que descobriram esta terra! Como se ela
estivesse vazia! Como se os seres humanos não a habitassem desde os
primeiros tempos!
Os brancos foram criados em nossa floresta por Omama mas ele os
expulsou porque temia sua falta de sabedoria e porque eram perigosos para
nós! (os brancos foram criados por Omama a partir do sangue de um grupo
de ancestrais Yanomami devorados por lontras e jacarés numa grande
enchente provocada pela quebra de um resguardo menstrual). Ele lhes deu
uma terra, muito longe daqui, pois queria nos proteger de suas epidemias e
de suas armas. Foi por isso que os afastou. Mas esses ancestrais dos
brancos falaram a seus filhos dessa floresta e suas palavras se propagaram
por muito tempo. Eles se lembraram: "É verdade! Havia lá, ao longe, uma
outra terra muito bela!", e voltaram para nós. Na margem desta terra do
Brasil aonde eles chegaram viviam outros índios. Esses brancos eram pouco
numerosos e começaram a mentir: "Nós, os brancos, somos bons e
generosos! Damos presentes e alimentos! Vamos viver a seu lado nesta
terra com vocês! Seremos seus amigos!". Era com essas mesmas mentiras
que tentavam nos enganar desde que também chegaram a nós. Depois
dessas primeiras palavras de mentira eles foram embora e falaram entre si.
Depois voltaram muito numerosos. No começo, sem casa nesta terra, ainda
mostravam amizade pelos índios. Tinham visto a beleza desta floresta e
queriam se estabelecer aqui. Mas desde que se instalaram realmente, desde
que construíram suas habitações e abriram suas plantações, desde que
começaram a criar gado e a cavar a terra para procurar ouro, esqueceram
sua amizade. Começaram a matar as gentes da floresta que viviam perto
deles.
Nos primeiros tempos, os seres humanos eram muito numerosos nesta
terra. É o que dizem nossos mais velhos. Não havia doenças perigosas,
sarampo, gripes, malária. Estávamos sozinhos, não havia garimpeiros para
queimar o ouro, fábricas para produzir ferro e gasolina, carros e aviões. A
floresta e os que a habitavam não estavam o tempo todo doentes. Foi
apenas quando os brancos se tomaram muito numerosos que sua fumaçaepidemia
xawara começou a aumentar e a se propagar por toda parte. Essa
coisa má se tomou muito poderosa e foi assim que as gentes da floresta
começaram a morrer (a expressão xawara wakëxi, "epidemia-fumaça",
designa aqui a um só tempo as epidemias e a poluição, às quais é atribuída
a mesma origem: a fusão do ouro, dos metais e dos carburantes extraídos
da terra para produzir as mercadorias dos brancos e abastecer seus
veículos). Quando viviam sem os brancos nossos ancestrais não tinham
fábricas, caçavam e trabalhavam em suas plantações para fazer crescer seu
alimento. Também não sujavam todos os rios como esses brancos que
agora procuram ouro em nossas terras.
"Nós descobrimos estas terras! Possuímos os livros e, por isso, somos
importantes!", dizem os brancos. Mas são apenas palavras de mentira. Eles
não fizeram mais que tomar as terras das gentes da floresta para se pôr a
devastá-Ias. Todas as terras foram criadas em uma única vez, as dos
brancos e as nossas, ao mesmo tempo que o céu. Tudo isso existe desde os
primeiros tempos, quando Omama nos fez existir. É por isso que não creio
nessas palavras de descobrir a terra do Brasil. Ela não estava vazia! Creio
que os brancos querem sempre se apoderar de nossa terra, é por isso que
repetem essas palavras. São também as dos garimpeiros a propósito de
nossa floresta: "Os Yanomami não habitavam aqui, eles vêm de outro lugar!
Esta terra estava vazia, queremos trabalhar nela!". Mas eu, sou filho dos
antigos Yanomami, habito a floresta onde viviam os meus desde que nasci e
eu não digo a todos os brancos que a descobri! Ela sempre esteve ali, antes
de mim. Eu não digo: "Eu descobri esta terra porque meus olhos caíram
sobre ela, portanto a possuo!". Ela existe desde sempre, antes de mim. Eu
não digo: "Eu descobri o céu!". Também não clamo: "Eu descobri os peixes,
eu descobri a caça!". Eles sempre estiveram lá, desde os primeiros tempos.
Digo simplesmente que também os como, isso é tudo.
O Povo das Mercadorias
Quando viajei para longe, vi a terra dos brancos, lá onde havia muito tempo
viviam seus ancestrais. Visitei a terra que eles chamam Eropa. Era sua
floresta, mas eles a desnudaram pouco a pouco cortando suas árvores para
construir suas casas. Eles fizeram muitos filhos, não pararam de aumentar,
e não havia mais floresta. Então, eles pararam de caçar, não havia mais
caça também. Depois, seus filhos puseram-se a fabricar mercadorias e seu
espírito começou a obscurecer-se por causa de todos esses bens sobre os
quais fixaram seu pensamento. Eles construíram casas de pedra, para que
não se deteriorassem. Continuaram a destruir a floresta, dizendo-se: "Nós
vamos nos tornar o povo das mercadorias! Vamos fabricar muitas delas e
dinheiro também! Assim, quando formos realmente muito numerosos,
jamais seremos miseráveis!". Foi com esse pensamento que eles acabaram
com sua floresta e sujaram seus rios. Agora, só bebem água "embrulhada",
que precisam comprar. A água de verdade, a que corre nos rios, já não é
boa para beber.
Nos primeiros tempos, os brancos viviam como nós na floresta e seus
ancestrais eram pouco numerosos. Omama transmitiu também a eles suas
palavras, mas não o escutaram. Pensaram que eram mentiras e puseram-se
a procurar minerais e petróleo por toda parte, todas essas coisas perigosas
que Omama quisera ocultar sob a terra e a água porque seu calor é
perigoso. Mas os brancos as encontraram e pensaram fazer com elas
ferramentas, máquinas, carros e aviões. Eles se tomaram eufóricos e se
disseram: "Nós somos os únicos a ser tão engenhosos, só nós sabemos
realmente fabricar as mercadorias e as máquinas!". Foi nesse momento que
eles perderam realmente toda sabedoria. Primeiro estragaram sua própria
terra antes de ir trabalhar nas dos outros para aumentar suas mercadorias
sem parar. Nunca mais eles se disseram: "Se destruirmos a terra, será que
seremos capazes de recriar uma outra?".
Quando conheci a terra dos brancos isso me deixou inquieto. Algumas
cidades são belas, mas seu barulho não pára nunca. Eles correm por elas
com carros, nas ruas e mesmo com trens debaixo da terra. Há muito
barulho e gente por toda parte. O espírito se toma obscuro e emaranhado,
não se pode mais pensar direito. É por isso que o pensamento dos brancos
está cheio de vertigem e eles não compreendem nossas palavras. Eles não
fazem mais que dizer: "Estamos muito contentes de rodar e de voar!
Continuemos! Procuremos petróleo, ouro, ferro! Os Yanomami são
mentirosos!". O pensamento desses brancos está obstruído, é por isso que
eles maltratam a terra, desbravando-a por toda parte, e a cavam até
debaixo de suas casas. Eles não pensam que ela vai acabar por
desmoronar. Eles não temem cair no mundo subterrâneo. Porém, é assim.
Se os "brancos-espíritos-tatus-gigantes" [mineradoras] entram por toda
parte sob a terra para retirar os minérios, eles vão se perder e cair no
mundo escuro e podre dos ancestrais canibais (o universo yanomami
compõe-se de quatro níveis superpostos suspensos em um "grande vazio";
o mundo subterrâneo foi formado pela queda do nível terrestre na aurora
dos tempos; é habitado pelos ancestrais Yanomami da primeira
humanidade, que se tornaram monstros canibais - os aõpataripë).
Nós, nós queremos que a floresta permaneça como é, sempre. Queremos
viver nela com boa saúde e que continuem a viver nela os espíritos
xapïripë, a caça e os peixes. Cultivamos apenas as plantas que nos
alimentam, não queremos fábricas, nem buracos na terra, nem rios sujos.
Queremos que a floresta permaneça silenciosa, que o céu continue claro, que a escuridão da noite caia realmente e que se possam ver as estrelas. As
terras dos brancos estão contaminadas, estão cobertas de uma fumaça epidemia-
xawara que se estendeu muito alto no peito do céu. Essa fumaça
se dirige para nós mas ainda não chega lá, pois o espírito celeste Hutukarari
a repele ainda sem descanso. Acima de nossa floresta o céu ainda é claro,
pois não faz tanto tempo que os brancos se aproximaram de nós. Mas bem
mais tarde, quando eu estiver morto, talvez essa fumaça aumente a ponto
de estender a escuridão sobre a terra e de apagar o sol. Os brancos nunca
pensam nessas coisas que os xamãs conhecem, é por isso que eles não têm
medo. Seu pensamento está cheio de esquecimento. Eles continuam a fixálo
sem descanso em suas mercadorias, como se fossem suas namoradas.

sábado, 18 de abril de 2009

Crise Financeira

Olá, pessoal como vai a vida?
Estou enviando um artigo que escrevi sobre a crise financeira internacional. Não aprofundei muito o assunto, porém é o que eu penso. Gostaria que vocês lessem e se manifestassem a respeito!
Um abraço


A quem interessa mais essa crise?
De repente, acordamos em crise! Numa noite dessas deitamos a cabeça no travesseiro conscientes de que tínhamos muitos problemas econômicos e sociais, é verdade, mas nada que nos impusesse a temeridade de uma crise econômica, e na manhã seguinte acordamos com o alarme de uma crise financeira mundial. Os meios de comunicação trataram logo de globalizar a informação. Ligamos a televisão e não se falava em outro assunto. Ligamos o rádio e recebemos a confirmação da indesejável noticia. Uma grave crise financeira estava se espalhando pelo mundo numa velocidade voraz, contagiando a economia de todas as nações atreladas ao modelo de produção capitalista.
E todos que caminhavam normalmente em frente começaram a ficar com um pé atrás. Começou o alvoroço, a desconfiança, o medo, a instabilidade. A indústria começou a retrair a produção, o consumidor começou a reduzir as compras e o setor agrícola de economia familiar viu mais uma barreira se somar a tantas dificuldades, como é o caso do baixo preço de sua produção, o alto custo dos insumos e as insistentes intempéries naturais, decorrentes muitas vezes da ação predadora do homem, diga-se de passagem. O setor público, que se especializou em folha de pagamento, tremeu ante a brusca diminuição da arrecadação e o setor privado, que jamais assumiu verdadeiramente sua responsabilidade social, encontrou na crise uma excelente oportunidade para mais uma vez tirar o corpo fora, executando a demissão de parte de seus funcionários.
Quem comprava reduziu as compras, quem vendia não soube mais o que fazer com a mercadoria sobrando, e o remarcador de preços foi acionado logo pela manhã nos corredores dos mercados, estarrecendo a dona de casa com aquele ruído desagradável que, insensível à realidade, anunciava o aumento indesejável do custo de vida.
Fomos tirados de nossa cômoda condição de trabalhadores e consumidores e lançados na agonia da instabilidade, porque os donos do grande capital, as grandes empresas, acostumados a enriquecer a custa de nossa miséria e a capitalizar sobre nossa força de trabalho e nosso poder de consumo, perceberam sua lucratividade voraz sendo reduzida por estranhos movimentos do chamado Mercado, processo que se utiliza de nosso trabalho e de nosso desejo de consumir para se manter vivo e quando ameaça de morrer quer nos matar também.
O que temos nós a ver com mais essa crise financeira? Que crise é essa? De onde ela veio? A quem interessa essa crise? Quem disse que estamos em crise? Estamos mesmo em crise? Será que essa crise não foi forjada de modo proposital pelas multinacionais intencionadas a provocar um fato novo para acumularem mais riqueza? Na verdade, o sistema capitalista é um modelo em permanente crise. Um modelo que vive de crises. E essa é mais uma crise criada no laboratório do Tio Sam e jogada no colo do terceiro mundo. Criada pelos ricos e jogada nas costas dos pobres. Mais uma crise dentro de um modelo de desenvolvimento economicamente inviável, ecologicamente insustentável e socialmente injusto. Uma crise criada para dividir com o mundo as amarguras de um sistema que privilegia o capital em detrimento da vida. Um sistema excludente e tirano, que impõem sobre todos a responsabilidade de produzir e somente para alguns reserva o acesso aos resultados da produção.
Na hora de usufruir dos ganhos ficamos de lado, na hora de dividir os prejuízos somos envolvidos. Para alguns o bônus do processo, para a maioria o ônus. Para eles o privilégio, a riqueza, a regalia, o júbilo. Para nós o infortúnio, a insegurança, a privação, o risco. Para eles o capital, para nós a crise. Jogaram em nossas mãos a “batata quente” de uma crise que não nos pertence. Jogaram em nossas costas o espinhoso fardo de um modelo político e econômico contraditório que jamais nos trouxe verdadeiro beneficio, senão que sempre sugou o sangue de nossa sempre ameaçada dignidade e quebrou as vértebras de nossa já vulnerável estabilidade. Mais uma vez vamos ter que pagar a conta daqueles que se serviram do melhor do banquete e foram embora pela porta dos fundos. Fizeram a festa, comeram o filé, e não nos convidaram. Apenas mandaram dizer que a nós caberia a incumbência de limpar o salão.
E nós que tínhamos ido dormir felizes por causa de uma pequena e suada conquista, resultado da economia de infindáveis dias de trabalho e privação, fomos surpreendidos pela manhã ao saber que tudo o que havíamos conseguido, mesmo que pouco e minguado, estava ameaçado de escorrer feito areia entre os dedos. Quando a economia mundial vai bem, eles ganham. Quando a economia mundial entra em crise, nós perdemos.
Mas essa crise financeira, vinda de onde quer que seja só vem somar-se a tantas outras crises que diariamente ameaçam nossa já instável e onerosa existência. Vivemos num momento histórico marcado por uma série de crises: crise de valores éticos, crise de responsabilidade, crise de honestidade, crise de amor à vida, crise de respeito à natureza, entre outras. Além disso, o povo trabalhador convive com uma crise permanente, marcada pelo desafio cotidiano de ter que sobreviver com uma margem salarial bem abaixo do que lhe é devido por direito. A grande maioria da população, a classe trabalhadora, trabalha para produzir riqueza, conforto e desenvolvimento, contudo, vive e morre pobre, miserável e subdesenvolvida. E aqueles que se apropriam dos resultados do nosso trabalho anunciam mais uma crise pra dizer que sua margem de lucro está diminuindo e justificar o descarte da mão-de-obra que não interessa mais ao sistema.
A quem interessa mais essa crise? O que você pensa de tudo o que está acontecendo? Vamos arcar com os prejuízos de uma crise que não criamos e vai ficar por isso mesmo?

NIVO EDE MALLMANN

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Semana dos Povos Indigenas



Semana dos Povos Indígenas - 16/04/2009

Beatriz C. Maestri e Vanessa Ramos *

Neste ano de 2009, a temática indígena ganha destaque no mês de abril com a realização da Semana dos Povos Indígenas nos dias 19 a 26.

Semana dos Povos Indígenas
A temática indígena ganha destaque no mês de abril com a realização da Semana dos Povos Indígenas nos dias 19 a 26. Organizada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) a Semana tem como tema Paz e Terra para os Povos Indígenas e, em consonância com a CF 2009, o lema "A paz é fruto da justiça".

O objetivo é aprofundar o debate sobre a realidade indígena de nosso país, conhecer a história de luta e de resistência da variedade de etnias que habitam este chão e que persistem na busca de seus direitos.

No centro das discussões esta a questão da terra. O mais duro golpe contra os direitos desses povos é a omissão do Estado brasileiro no tocante à demarcação de suas terras. O governo federal tem a obrigação constitucional de demarcar as terras indígenas e protegê-las, garantindo o respeito à diversidade étnica e cultural. Após 20 anos da promulgação de nossa Constituição Cidadã ainda não houve a regulamentação das determinações que garantem os direitos dos povos indígenas.

* Ir. Beatriz Catarina Maestri e Vanessa Ramos
Equipe do Cimi - SP

Fonte: Cimi - SP


Paara ler mais acesse: http://www.revistamissoes.org.br/artigos_ler.php?ref=2846

sábado, 11 de abril de 2009

ESPIRITUALIDADE BÍBLICA - O JARDIM DE DEUS

O relato da Paixão e Morte de Cristo, segundo o evangelho de João (Jo 18,1-19,42), inicia-se e termina num jardim.
No início (Jo, 18,1) :
“Dito isto, Jesus saiu com os discípulos para o outro lado da torrente do Cedron. Ali havia um jardim, onde ele entrou com os discípulos. Judas, que havia de traí-lo, também, conhecia o lugar, porque muitas vezes Jesus se reunia lá com os discípulos”.
No final (Jo 19,41-42):
“No local onde Jesus tinha sido crucificado havia um jardim, e no jardim um sepulcro novo onde ninguém ainda tinha sido depositado. Como o sepulcro estivesse próximo e ia começar o sábado dos judeus, foi ali que puseram Jesus”.

Este jardim é uma alusão ao jardim do Éden, mencionado no primeiro livro da Bíblia, o Gênesis:“Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, ao oriente, e ali pôs o ser humano que havia formado”(Gn 2,8) .
A mensagem que João quer passar às suas comunidades é clara.
Onde o ser humano não soube se portar de maneira autêntica, desobedecendo a Deus, e, como consequência, rejeitando a vida e escolhendo a morte, Jesus ensina o modo certo de possuir a vida, que é doá-la gratuitamente em favor dos outros. É assim que ele restaura os erros e as culpas da humanidade.
“Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por amor de mim e pela causa do evangelho, há de salvá-la”(Mc 8,35).

Cristo, na sua Paixão e Morte, realizou plenamente este projeto do Pai, projetando uma nova luz sobre o sofrimento humano. Sofrimento que não provém de Deus, mas das maldades das pessoas. Carregando sobre si a dôr e a morte dos humanos, Jesus se torna solidário com os sofredores do mundo inteiro.
Com sua morte e ressurreição, ele elimina duma vez a doutrina da retribuição, que considera Deus como um juíz que premia os bons e castiga os maus.
O Pai ama sempre o seu Filho e sofre com ele na cruz.
Cristo, ao ressuscitar dos mortos, continua alimentando as esperanças dos oprimidos.

Cabe a nós, hoje em dia, entender o significado de tanta dor, sofrimento e opressão de milhões de seres humanos. Cabe a nós sentir que o Pai, como fez com seu Filho amado, quer glorificar os esmagados pelas estruturas opressoras deste mundo.
Todos, provavelmente, passamos pela tentação de fugir deles, de desviar deles o nosso rosto, como muitos fizeram com Jesus nos dias da sua Paixão e Morte.

Na vitória de Jesus saboreamos a vtória dos pobres e dos fracos sobre as forças da morte.
Vamos assumir a causa da vida e uma espiritualidade de comunhão fraterna, como saída para os grandes e pequenos fracassos do nosso dia-a-dia, até que a Páscoa completa aconteça no Reino (jardim) de Deus.
Pe Valentino Benigna - Mccj

terça-feira, 7 de abril de 2009

Moçambique: Quatro províncias estão livres de minas

Maputo, Moçambique, 6 Abr - As províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula, no norte de Moçambique, e Zambézia, no centro, foram declaradas livres de minas no âmbito do programa de desminagem em curso desde o fim da guerra civil, em 1992, afirmou o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.

Durante uma cerimónia inserida nas celebrações do Dia Internacional de Sensibilização e de Assistência aos Programas de Acção contra Minas, Eduardo Koloma disse que até 2014 todo o país deverá estar livre de minas no quadro de um programa estratégico que está a ser implementado desde o ano passado.

A nível nacional, adiantou Koloma, foram já limpas 223 áreas anteriormente minadas, correspondentes a 2,2 milhões de metros quadrados. Este número indica a superação em 40 por cento da meta estabelecida, em virtude de terem sido localizadas e destruídas cerca de 1400 minas terrestres e 844 engenhos não explodidos.

Para Manica, que possui uma das fronteiras mais minadas – cerca de 600 quilómetros de comprimento com o Zimbabwe – estão disponíveis pouco mais de 590 milhões de meticais a serem utilizados até 2010. A limpeza será realizada pela Halo Trust, uma operadora que vai substituir a Handicap International, de acordo com Helen Grein, representante daquela organização em Moçambique.

O governador de Manica, Maurício Vieira, disse que as minas constituem um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento, uma vez que a sua existência impede a prática de agricultura e a efectivação de outros projectos de geração de riqueza.

Dados avançados por aquele governante indicam que até 2007 existiam na província 146 zonas suspeitas de estarem minadas, com uma área de aproximadamente 5,1 milhões de metros quadrados.

De 2004 e 2007, a Handicap International limpou 435 mil metros quadrados em 232 áreas susceptíveis de conterem explosivos e destruiu 873 engenhos e milhares de munições. (macauhub)

Noticia enviada por Rai Soares - missionária leiga Projeto Lichinga

domingo, 5 de abril de 2009

Moçambique


Não podemos ficar indiferentes ao sofrimento de nossos irmãos. Um primeiro passo é manter-se informado e este é um dos objetivos deste espaço:

NAMPULA NA IMPRENSA - Mais de Cem mil pessoas sem o pão de cada dia

MAIS de 100 mil pessoas estão mergulhadas na situação de fome aguda nos distritos de Memba, Nacala-a-velha, Angoche, Mogincual, Mossuril e Monapo, estando na origem do problema, a perda de culturas alimentares devido a passagem do ciclone Jokwe que fustigou aquelas regiões em Marco do ano passado, e agravado pelas chuvas intensas que se tem feito sentir nos últimos tempos e que deixaram os campos alagados.

O governo já lançou um apelo as organizações humanitárias no sentido de prestarem o seu apoio para mitigação da situação, simultaneamente que se envolve alguns dos afectos em programas de Comida pelo trabalho.

Caderno Nampula


Milhares de estudantes ainda se sentam no chão

Na cidade de Nampula as condições educacionais em quase todos os estabelecimentos de diferentes níveis de ensino continuam precárias e tudo indica que vão continuar assim, devido à degradação acentuada de infra-estruturas onde funcionam as escolas, bem como à falta de mobiliário.Maputo, Terça-Feira, 17 de Fevereiro de 2009:: Notícias
Milhares de alunos ainda estudam sentados no chão por falta de carteiras, para além de que em algumas situações aprendem ao relento por não possuírem salas de aulas, situações que não deixam logicamente de influenciar o rendimento pedagógica dos discentes.

A nossa Reportagem esteve em algumas escolas da urbe onde constatou quão é preocupante a crónica questão, não somente por parte dos pais e encarregados de educação, como também para os próprios directores e outros responsáveis do sector de Educação a nível da chamada capital do norte.

Tal é o caso da Escola Primária e Completa de Carrupeia, onde, segundo a respectiva directora, Rehema Wazir, durante o ano lectivo findo, um total de trinta turmas, correspondente a 2250 alunos estudavam sentados no chão por falta de carteiras e outros 525 recebiam aulas ao relento, devido à falta de salas de aulas.

A nossa entrevistada disse que no se refere ao problema específico de falta de salas de aulas, o mesmo poderá ser ultrapassado ou minimizado no presente ano lectivo, caso sejam concluídas as quatro salas novas em construção, com o apoio da direcção provincial do sector de Educação em Nampula.

AULAS AO RELENTO

Outra escola que não foge à regra, é a Secundária de Teacane, localizada no posto administrativo de Natikiri, aqui conforme o seu director, Acácio Mutapia, num universo de 7.452, há 600 alunos que estudam sentados no chão. A escola precisa pelo menos 250 para pelo menos minimizar a situação.

- Temos também problemas sérios de falta de salas de aulas. Neste momento temos um total de l6 turmas cujas aulas decorrem ao relento. Porém, esperamos que a questão venha a ser minimizada a partir do próximo ano lectivo, com a conclusão das 4 novas salas de aulas que estão em construção.

A nossa Reportagem escalou também a Escola Secundária de Nampaco, que se situa no bairro de Namutequeliua, onde ficou a saber que ali a falta de carteiras afecta pouco mais de 260 alunos, sendo 200 do ensino primário e os restantes secundário.

- É um problema sério. Contudo, temos um bloco de quatro salas de aulas e um gabinete em construção, sob responsabilidade da direcção provincial de Educação, esperamos depois da conclusão sejam equipadas com o mobiliário escolar, anotou Joaquim Tinga, director daquela escola.


OS PROBLEMAS SÃO PREOCUPANTES

Maputo, Terça-Feira, 17 de Fevereiro de 2009:: Notícias
O Chefe da secção pedagógica na direcção de Educação e Cultura da Cidade de Nampula, João Alela, disse que a falta de salas e carteiras que se tem feito sentir desde há bastante tempo em várias escolas da urbe, constitui e sempre vai constituir preocupação das autoridades que superintendem o sector a nível da chamada capital do norte.

- No levantamento que fizemos, constatámos que mais de 600 alunos estudam sentados no chão em algumas escolas da cidade de Nampula. Outros 500 estudam ao relento. Em função disso, há um esforço que sendo feito com vista a colmatar esta situação. É que não podemos continuar assim se queremos um ensino abrangente e sobretudo de qualidade.

Segundo a fonte, esses problemas, particularmente o referente à falta de salas de aulas, poderão ser resolvidos, tanto é que já existe um projecto do Ministério da Educação e Cultura que prevê a construção de um total de 52 novas salas de aulas nas 51 escolas existentes a nível da cidade de Nampula, no presente ano.

Mouzinho de Albuquerque
Para saber mais acesse http://www.jornalnoticias.co.mz de onde estas noticias foram selecionadas.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Raposa e Serra do Sol

“Nossos índios” e nossa Constituição


E contra os invasores de nosso solo quais as vozes de soberania que se levantam? Somente a dos pobres, dos ambientalistas, dos quilombolas, dos pequenos agricultores, dos atingidos por barragens, dos ribeirinhos e dos povos indígenas. E os brados dos arautos da política, das leis e da soberania são ouvidos? Não! Geralmente suas palavras são de incentivo a estas invasões territoriais.


Roberto Antonio Liebgott
Vice-Presidente do Cimi

Um “julgamento histórico”. Esta foi a máxima afirmada por membros de organizações não governamentais, entidades de apoio aos povos indígenas, por representantes do governo federal, por muitos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por setores da mídia e por lideranças indígenas, no que se refere ao julgamento sobre a regularidade ou não do procedimento de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

A decisão do STF pela manutenção da demarcação em área contínua da referida terra indígena foi, sem dúvida, uma vitória para os povos que habitam as regiões da Raposa e Serra do Sol, no estado de Roraima e que lutam incansavelmente há várias décadas pela integralidade desta
terra, mesmo que sobre ela já se tenham estabelecidas ressalvas e/ou condicionantes por ocasião da publicação da portaria declaratória 534/2005 do Ministério da Justiça. A referida portaria determinou a manutenção de municípios dentro da área e o acesso das pessoas às estradas existentes dentro dela, incluindo-se o livre trânsito de soldados do Exército e da Polícia Federal.

Ao final deste longo processo, duas perguntas inquietaram a quem acompanhou todas as etapas do julgamento: Por que os ilustres ministros e ministras do STF não julgaram apenas o mérito da ação apresentada pela petição 3388 (originada de uma ação popular impetrada por Augusto Botelho, que pedia a revogação do procedimento de demarcação da terra indígena)? Por que assumiram uma tarefa que extrapolou o foco de sua intervenção, neste caso em concreto, fixando condicionantes sobre os direitos indígenas já expressos na Constituição e, com isso, determinar o que é justo ou injusto acerca dos preceitos legais de demarcação das terras indígenas? Tais condicionantes deveriam ser estabelecidas pelo Poder Legislativo, no texto do Estatuto dos Povos Indígenas, cuja tramitação encontra-se paralisada no Congresso Nacional desde o ano de 1994.

Pois bem, o resultado do julgamento e as condições impostas pelo voto do ministro Menezes Direito, seguido pela quase maioria dos ministros e ministras, determinou que a causa em julgamento não era apenas a demarcação da área Raposa Serra do Sol. E assim sendo, o alcance desta decisão deverá afetar todas as terras indígenas do Brasil, tanto aquelas com os procedimentos de demarcação em curso, quanto às demais áreas reivindicadas, ou aquelas que sequer tiveram os seus procedimentos administrativos iniciados pelo órgão indigenista.

Ao final das três etapas de julgamento (27 de agosto e 16 de dezembro de 2008, 18 e 19 de março de 2009), a sentença foi proferida estabelecendo-se 19 condicionantes para a efetivação dos procedimentos de demarcação e que deverão ser seguidos pelo Poder Público. Algumas destas condicionantes já estão expressas no texto constitucional, mas há aquelas que inauguram uma nova forma de relação do Estado com as terras e com os direitos indígenas, colocando em risco garantias como: a) o usufruto exclusivo das terras que os povos indígenas ocupam (e sobre as quais a Constituição já estabelece ressalvas, quando se comprova o relevante interesse da União ou em situações de risco à soberania); b) o direito das comunidades indígenas serem consultadas sobre obras planejadas, que causarão impactos em suas vidas, sobre as terras e seus recursos ambientais, tais como estradas, hidrelétricas, parques, pelotões do Exército; c) o direito dos índios de reivindicarem a revisão dos limites de terras demarcadas de maneira insuficiente (poderiam ser mencionados inúmeros exemplos de demarcações que resguardaram apenas parcialmente as terras tradicionais identificadas e comprovadas em estudos antropológicos, arqueológicos, históricos, sociológicos), ou de pleitearem a demarcação de áreas tradicionais que lhes foram usurpadas em processos recentes de colonização. Quanto a esta última questão, não podemos esquecer das inúmeras situações em que as famílias indígenas foram retiradas de suas localidades e exiladas em terras de outros povos, para que os estados assegurassem seus projetos desenvolvimentistas. Um exemplo expressivo foi a colonização das terras no oeste catarinense, processo que se estendeu até meados do século passado, sendo os Guarani e Kaingang privados do usufruto de suas terras até que se estabeleceu um novo marco constitucional que possibilitou a recuperação parcial de seus domínios.

Em resumo, as condicionantes impostas pelo STF são uma clara manifestação dos interesses desenvolvimentistas, hoje ressignificados, por exemplo nos Programas de Aceleração do Crescimento. Eles se sobrepõem às garantias sociais e aos direitos coletivos, resguardados a partir de um longo e expressivo processo de negociação que se instituiu durante a elaboração da atual Carta Magna.

Todavia, a mais grave das imposições (enfatizada no voto do relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto e, posteriormente reafirmada pelos ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandovsky, Marco Aurélio, Celso de Mello e pelo presidente do STF Gilmar Mendes em uma de suas intervenções) é a que estabelece um recorte temporal para que uma terra seja demarcada como sendo de ocupação tradicional. Para os ministros da Suprema Corte, as demarcações serão possíveis quando comprovado que os indígenas estavam na posse da terra por ocasião da promulgação da atual Constituição Federal, no ano de 1988. Este marco temporal estabelecido tem como objetivo impedir que novas demarcações ocorram. Desse modo, a Funai terá mais dificuldades em demarcar terras, ainda que existam fartos estudos e comprovações antropológicas de sua tradicionalidade e das condições, a partir das quais, os povos indígenas tenham sido privados do direito de nelas terem permanecido.

Tal condicionante favorece abertamente os setores econômicos ligados ao agronegócio, aos agrocombustíveis, às empresas geradoras de energia elétrica, mineradoras, empreiteiras, empresas de celulose, em síntese, todos os grupos que exploram ou desejam explorar as riquezas das terras indígenas. Além disso, para estes setores da economia, o STF apresenta um conjunto de argumentações interpretativas (jurisprudência) da Constituição que os favorecerá em ações judiciais impetradas e nas ações futuras contra demarcações de terras que lhes interessam explorar. Ou seja, a nossa Suprema Corte passou a ensinar, a partir deste julgamento, como usar o tão mencionado direito ao contraditório, aquilo que o ministro Nelson Jobim tentou realizar (quando foi ministro da Justiça) através do Decreto 1775/96 e não conseguiu.

Com o discurso de que o “STF deve resolver as pendências” no que tange aos “nossos índios”, expressão proferida por diversas vezes no julgamento, os ministros e ministras do STF corroeram ainda mais a Constituição, que por muitos é considerada “a Constituição Cidadã”. Esta nossa "Carta Magna", ao longo dos anos, vem sofrendo enormes mutilações em função das dezenas de emendas constitucionais impostas pelo Congresso Nacional, bem como por equivocadas interpretações adotadas por alguns dos ministros superiores que, em última instância, deveriam ser os guardiões da nossa lei maior.

E isso tudo faz sentido quando percebemos os olhares que se dirigem para a questão indígena, alguns têm muito de solidariedade, outros, porém são repletos de desconfiança, de preconceito e se orientam unicamente por interesses econômicos. Para alguns, os povos indígenas devem ser respeitados nas suas diferenças e, conforme estabelecido nas normas constitucionais, a eles cabem o direito às terras que tradicionalmente ocupam e a União o dever de assegurá-las. Mas, para muitos outros, a desconfiança e a intolerância predomina, de modo particular entre aqueles que deveriam zelar pelas leis e pela boa execução do serviço público.

Um dos exemplos de má interpretação da Constituição Federal foi oferecido pelo ministro Marco Aurélio quando, ao ler por mais de seis horas seu voto vista, caracterizou os indígenas como pessoas que precisam se integrar à sociedade; que necessitam de educação; que devem se apropriar de nossos conhecimentos; que devem se relacionar e consumir nossos bens e ainda os considerou uma ameaça à soberania nacional. Para justificar tais argumentações, muniu-se de análises de pessoas que não possuem qualificação para discutir o tema, tal como o filósofo da UFRGS professor Rosenfield, o general Augusto Heleno, o deputado federal Aldo Rabelo, entre outros tidos como defensores da Amazônia e da nossa soberania.

Estas posições demonstram falta de compreensão sobre o alcance dos artigos 231 e 232 da nossa Constituição, tanto do referido ministro, como de seus inspiradores. O ministro Marco Aurélio sequer fez menção, em seu voto, de que as terras indígenas são patrimônios da União, portanto, elas estão submetidas aos mesmos preceitos de soberania e de controle que regulam a totalidade do território nacional. Elas merecem a mesma proteção e vigilância.

Por fim, é inacreditável pensar que os defensores da soberania, como os mencionados acima, não se manifestam quanto a forte intervenção das grandes empresas privadas internacionais implantadas no país com isenção de impostos e outras subvenções. Empresas que depredam o meio ambiente, explorando-o, consumindo as energias das águas, das terras e ainda espionam a nação, roubam os conhecimentos tradicionais e levam as riquezas para fora do Brasil. Mais tarde retornam com força agigantada para explorar novas riquezas. E contra estes invasores de nosso solo quais as vozes de soberania que se levantam? Somente a dos pobres, dos ambientalistas, dos quilombolas, dos pequenos agricultores, dos atingidos por barragens, dos ribeirinhos e dos povos indígenas. E os brados dos arautos da política, das leis e da soberania são ouvidos? Não! Geralmente suas palavras são de incentivo a estas invasões territoriais.

Porto Alegre (RS), 26 de março de 2009.

Roberto Antonio Liebgott
Vice-Presidente do Cimi.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Para Fidel Castro mudança climática é mais grave do que crise econômica

2/4/2009 12:16:07 - noticia veiculada no Correio do Brasil


Por Redação, com Reuters - De Havana


O ex-presidente cubano Fidel Castro acredita que a mudança climática é mais grave do que a crise econômica internacional, em uma das duas colunas de sua série Reflexões, publicada nesta quinta-feira nos jornais cubanos.

– A crise financeira não é o único problema, há outro pior pois tem a ver não com o modo de produção e distribuição, mas com a própria existência. Me refiro à mudança climática.– declarou.

Sobre o Grupo dos Vinte, que reúde os países mais ricos e os principais emergentes, Fidel recorre a termos esportivos para dizer que a reunião de Londres é "o clássico entre as maiores economias do mundo, as mais desenvolvidas e as que estão por se desenvolver", e acrescenta que 'as regras do jogo não estão muito claras'.

– Veremos o que se discute e como se discute. Estará elaborada já e aprovada de antemão uma declaração final? Talvez sim, talvez não. De todas as formas, será muito interessante conhecer, no meio de tanta diplomacia, que posições adotará cada um. De um modo ou de outro, não haverá segredo possível – diz Fidel Castro.

O ex-governante de 82 anos afirma ainda que há muita informação que revela que a regulação do sistema financeiro internacional se transformou em "um ponto de atrito entre Londres e Washington, por um lado, e Paris pelo outro".

Sobre a mudança climática, lembra que na reunião de Bonn, na Alemanha, que começará no domingo, os Estados Unidos anunciarão uma nova posição e que o presidente americano, Barack Obama, convocou um fórum sobre energia e clima para o fim de mês.

Segundo ele, existem fortes contradições sobre a contribuição que devem ter para as economias, e se discutem os limites do dióxido de carbono que devem lançar à atmosfera os diferentes países do mundo, "um gás que ameaça liquidar as condições de vida do planeta

O PERIGO CONTINUA

Explosão do Paiol de Malhazine - Maputo

“Foi erro humano”

- afirma relatório do Instituto de Estudos Estratégicos sul-africanos (ISS) que põe em dúvida segurança em 17 paióis moçambicanos

“A verdade é que as condições meteorológicas – mesmo temperaturas de 35 graus – raramente terão por si só impacto em munições, mesmo que velhas, em más condições de manutenção ou em estado de degradação”

Maputo (Canal de Moçambique) - A explosão do Paiol de Malhazine, nos arredores de Maputo, no passado dia 22 de Março, deveu-se a um “erro humano”, e não às elevadas temperaturas, e pode repetir-se noutros 17 depósitos de armas moçambicanos em condições de segurança “questionáveis”, afirma um relatório do Instituto de Estudos Estratégicos sul-africano «ISS», contrariando, com esta sua opinião, outros pareceres.

O primeiro relatório preliminar sobre as explosões do Paiol de Malhazine, foi elaborado pelo Centro de Coordenação do Sudeste e Leste Europeu para o Controlo de Armas Pequenas e Ligeiras (SEESAC). Nele se refere que a causa mais provável foi a “deterioração das condições físicas e químicas das munições e explosivos.”

O relatório da SEESAC afirmava também a existência de artefactos contendo “Fósforo branco”, no Paiol de Malhazine. E acrescentava que tal material bélico é considerado “proibido”.

Já neste mais recente relatório do Instituto de Estudos Estratégicos sul-africanos (ISS) divulgado esta semana, os seus autores afirmam que as explosões de 22 de Março permitiram que ficasse demonstrado que Moçambique não cumpriu o previsto no Protocolo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para o Controlo de Armas de Fogo.

O ISS adianta no documento da sua autoria que os países signatários do Protocolo da SADC para o Controlo de Armas de Fogo, entre os quais se conta Moçambique, acordaram em “elaborar inventários nacionais de armas de fogo na posse de forças de segurança e outros organismos estatais e melhorar a sua capacidade de manter e gerir em segurança as suas reservas.” Está ainda previsto no referido protocolo da SADC, lembra o ISS, “destruir armas de fogo e outros equipamentos excedentes, redundantes ou obsoletos”.

“Claramente, Moçambique não o fez”, afirma peremptoriamente o ISS.

O protocolo da SADC que se está a referir foi ratificado por Moçambique em 2002, tendo entrado em vigor em 2004.

“É preciso perguntar”, escreve ainda o ISS, se “Moçambique estimulou as suas forças de segurança para implementar a recolha, armazenagem segura, destruição ou eliminação responsável de armas de fogo ou munições?”

“Por que é que Moçambique, cerca de 15 anos depois dos Acordos de Paz que puseram fim à guerra civil e os ex-combatentes terem sido desmobilizados e reintegrados, ainda não destruiu armas de fogo e munições excedentes ou obsoletas, detidas pelo Estado? Porque é que o paiol não foi deslocado para uma área longe de onde habitam civis?”, lê-se no documento do ISS que estamos a citar.

As autoridades do país afirmam que o acidente se deveu ao calor intenso sentido, mas para o instituto sul-africano firma que “não foi, contudo, um desastre natural”.

“A verdade é que as condições meteorológicas - mesmo temperaturas de 35 graus - raramente terão por si só impacto em munições, mesmo que velhas, em más condições de manutenção ou em estado de degradação", acrescenta o instituto sul-africano.

“A maioria das explosões são causadas por cargas propulsoras químicas instáveis, ácido de cobre em detonadores, detonadores não resguardados ou rastilhos sem segurança de detonação. Foi, portanto, um erro humano, seja de que maneira for que se veja a questão”, conclui o relatório.

Noticia retirada do Canal Moçámbicano http://www.canalmoz.com/default.jsp?file=lista_artigos&nivel=1&id=16(Redacção com «Lusa»)


2007-04-02 22:12:00